Anteriormente, vimos que o Arch Enemy teve três fases distintas, cada uma com um vocalista. Neste post daremos sequência e abordaremos a segunda fase (ou Arch Enemy Angela), marcada pelo poderoso vocal da alemã Angela Gossow.
Nascida em família cristã ortodoxa da Alemanha, Angela teve uma adolescência bastante conturbada, com lar desfeito e chegou a se tornar bulímica e anoréxica. Saiu de casa e integrou as bandas Asmodina e Mistress, até ser convidada a integrar a banda sueca.
Angela Gossow gravou ao todo cinco pesados, ótimos e icônicos álbuns de death metal melódico à frente da banda Arch Enemy, são eles: “Wages of Sin” (2001), “Anthems of Rebellion” (2003), “Doomsday Machine” (2005), “Rise of the Tyrant” (2007) e “Khaos Legions” (2011).
Quase todos os álbuns e shows da fase Arch Enemy Angela foram com a mesma formação: Angela Gossow (vocal), Michael Amott (guitarra), Christopher Amott (guitarra), Sharlee D’Angelo (baixo) e Daniel Erlandsson (bateria), exceto de 2012 a 2014, quando o guitarrista Nick Cordle substituiu Cristopher Amott.
É bastante perceptível que a entrada da moça ocasionou um upgrade em relação à fase anterior, incluindo no instrumental. Com ela, o Arch Enemy alcançou um patamar superior e começou a rumar para o seleto grupo da nata do metal.
Nessa fase, quase todas as melodias foram de autoria do líder Michael Amott —incluindo algumas parcerias — bem como muitos dos versos, mas a fenomenal cantora Angela também assinou letras, muito embora as de Michael sejam muito melhores, verdade seja dita.
A segunda vocalista do Arch Enemy Angela Gossow surpreendeu meio mundo
Curiosamente, parte da crítica especializada torceu o nariz quando soube que uma mulher substituiria o antigo vocalista dono de uma voz gutural digna de filme de terror…bem, isso foi antes de ouvirem a voz de trovão de Gossow. Logo que ouviram e conheceram o incrível talento dela, todos logo se renderam.
“Wages of Sin” (2001) marca o debut de Angela
A canção que abre o álbum de estreia de Angela Gossow é “Enemy Within”, cuja letra de inspiração gótica foi escrita pela vocalista e fala de suicídio e autodestruição. A levada é bem death metal com ótimas performances da cantora e dos guitarristas, os últimos ainda bastante influenciados pelo Iron Maiden.
A segunda é a ótima “Burning Angel” composta inteiramente por Michael e que ainda hoje integra o setlist do grupo. Poeticamente, a letra foi muito bem escrita e aparentemente aproximava do ateísmo o guitarrista e principal compositor. Os solos de guitarra são nada menos que excelentes.
“A transição está completa” diz os versos de “Heart of Darkness”, aludindo à troca de vocalista, à mudança na temática das letras de Michael — que antes falavam de agnosticismo e existencialismo e passaram a expressar mais temas sombrios e anti-dogmáticos — e à mudança da afinação para C standard nas guitarras e no baixo.
“Ravenous” é uma das melhores do disco, é death metal melódico na veia. Parecendo blasfêmia, a letra escrita por Michael e Angela remete muito mais à obra de Edgar Allan Poe do que a qualquer outra coisa. Nem de longe é satanismo, mas linguajar ateu. Abaixo, na voz daquela que sucederia Angela, Alissa White-Gluz:
“Savage Messiah” é um monte de heresias bobas, mas que combinam com a tonalidade da voz “endemoniada” de Angela. Já “Dead Bury their Dead” tem letra não muito inspirada, no entanto musicalmente é ótima e tem Daniel Erlandsson metralhado tudo na bateria. Confira uma versão a vivo recente:
“Web of Lies” fala da decepção de alguém que perdeu a fé e virou um ateu revoltado. Já “The First Deadly Sin” se refere ao pecado original e sua letra contradiz a canção “Angelclaw” (do álbum “Burning Bridges”), desta vez enaltecendo e não mais condenando a luxúria. A letra deixa clara a visão ateísta da nova integrante da banda.
“Behind the Smile” aborda a passagem do tempo e a desilusão de um amor perdido. “Snow Bound” é uma baladinha instrumental alicerçada em solos de guitarra melódicos. Escoradas mormente em voz e bateria, “Shadows and Dust” e “Lament of a Mortal Soul” remetem novamente ao tempo e à inevitabilidade da morte.
“Anthems of Rebellion” (2003) trouxe pela primeira vez vocais limpos
Como o próprio nome já diz, o death metal tem predileção por letras que falam da morte. Não há dúvida que a entrada do vocalista nessa segunda fase do Arch Enemy incrementou ainda mais as letras neste aspecto. Abaixo, “Silent Wars” trouxe uma banda azeitada e belos solos, merecendo registro:
“We Will Rise” tem uma boa letra de Michael Amott, certamente anunciando que o Arch Enemy despontaria como uma das maiores bandas do metal. O vocal de Angela está fantástico. A ótima melodia e os marcantes e originais riffs ajudaram a transformar a música num dos hits do quinteto. A canção ganhou até videoclipe:
Segundo a sequência do álbum, “Dead Eyes See No Future” é outra grande canção de heavy metal que fez desse um dos melhores discos do Arch Enemy e mostrou bem o amadurecimento musical do grupo como um todo. Por sua vez, a letra escrita por Angela e Michael veio sem novidades, falando de morte etc. Confira:
“Instinct” foi composta por Michael e fala novamente de existencialismo, enquanto que “Leader of the Rats” detona a fofoca e a inveja. Em ambas as canções os destaques são principalmente o show de interpretação de Angela Gossow e o bom desempenho do baterista Daniel Erlandsson.
Guitarra Elétrica TAGIMA
TG 500
Captação com três single coils remete a grandes timbres da história da música. Inclui uma ponte trêmulo e tarraxas blindadas cromadas. Controles com 2 tones e 1 volume.
Escrita em parceria pela ateia Angela e pelo existencialista Michael, “Exist to Exit” aborda morte, suicídio, legado e até reencarnação, embora em sentido figurado. “Marching on a Dead End Road” é uma balada instrumental água com açúcar que funciona como introdução para mais ateísmo e heresia em “Despicable Heroes” .
“Anthems of Rebellion” é um álbum superior ao antecessor e um dos melhores da banda. “End of the Line” também é uma das melhores músicas do Arch Enemy e conta com a bela e melódica segunda voz de Christopher Amott. A letra é bem atual e fala de corrupção e manipulação da mídia. Confira que vale a pena:
“Dehumanization” não é tão boa, também traz a segunda voz de Christopher e flerta com o thrash metal. A letra escrita por Angela é só rancor e ateísmo. A instrumental “Anthem” tem menos de um minuto e serve de introdução para “Saints And Sinners”, recheada com mais ateísmo e boa performance instrumental.
“Doomsday Machine” (2005) é uma máquina de metal extremo
Superando o anterior, o terceiro trabalho com Angela Gossow e o sexto na história do conjunto passou a trazer explicitamente o ateísmo radical da vocalista em quase todas as letras. Musicalmente, mostrou que o Arch Enemy de Gossow estava definitivamente no jogo do showbiz e afim de voar muito alto.
A instrumental “Enter the Machine” abre o disco e convida para entrar na verdadeira máquina de metal extremo que viria logo depois. A segunda faixa é “Taking Back my Soul”, na qual se destacam a bateria bem típica do death metal tocada por Daniel, bem com as excelentes guitarras dos irmãos Amott.
A terceira música é “Nemesis”, uma espécie de hino contra políticos e governos que traz novamente referências bíblicas e que se tornou um dos maiores clássicos do Arch Enemy, assim como do próprio death metal. A música ganhou também um videoclipe, no qual ficam claros os upgrades na produção e no profissionalismo:
A letra de Gossow em “Carry the Cross” utiliza termos sombrios, alude ao cristianismo e à reencarnação e tem uma mensagem dúbia que contradiz a letra de “Exist to Exit”— do álbum anterior e que quase(?) enaltecia o suicídio — podendo ser interpretada como estímulo para seguir em frente, apesar dos percalços da vida.
Transbordando ódio e pingando sangue (o que combina com a voz raivosa de Angela), a vigorosa “I Am Legend/Out for Blood” fala de carnificina, medo e humilhação, enquanto bateria, baixo e principalmente guitarras dão mostras de que o Arch Enemy, em 2005, já era uma banda da primeira divisão do heavy metal:
Com uma levada mais death metal, “Skeleton Dance” também trouxe bom desempenho da banda e evidenciou seu alto nível. O pontos fracos são: a letra repetindo os mesmos clichês (morte, sepultura etc) e o pequeno solo melódico. Talvez para compensar, a seguinte, “Hybrids of Steel”, traz solos excepcionais:
Diferentemente de outras letras da ateia Gossow, “Mechanic God Creation” foi escrita em parceria com Michale Amott, por isso traz embutida a imagem de um criador do universo ao mesmo tempo que lamenta a frieza do ser humano como potencial destruidor do mundo. Uma rara excessão: a letra é melhor que a música.
Outro destaque de “Doomsday Machine” é “Machtkampf”, com ótima letra de Michael e música de autoria do trio que arquitetou todas as melodias desse respeitável e pesado álbum de metal: Michael, Christopher e Daniel. Uma das melhores do Arch Enemy e que vale muito a pena conhecer ou ouvir novamente:
“Slaves of Yesterday” fecha com outra letra de Gossow sem muita inspiração, recheada de bordões e bastante repetitiva, criticando a Bíblia judaico-cristã (novamente o pecado original). É curioso mas ela nunca criticava diretamente outras religiões…vai entender. Foi usada para tampar buraco num ótimo disco.
“Rise of the Tyrant” (2007): melodic death metal até o último fio de cabelo louro
Aclamado pela crítica, o quarto álbum com Angela Gossow e o sétimo do Arch Enemy abre com “Blood on Your Hands” que tem bateria demolidora, vocal arrepiante, melodia bem elaborada e ainda bons de riffs de guitarra, com direito a um belo e original trabalho de twin guitars, agora não mais sob a influencia do Iron Maiden.
De fato, o grupo apresentou nesse disco um som já com identidade própria. O álbum trouxe o Arch Enemy ainda melhor, mais maduro e mais afiado. A segunda faixa é “The Last Enemy”, um death metal com um instrumental de primeira e uma pequena parte melódica mais pro fim.
Como aconteceu nos quatro anteriores, o trabalho trouxe somente letras de Angela e Michael. Os temas se repetem, especialmente nos versos da alemã: morte, destruição, caos, dor etc. “I Will Live Again” tem formato um pouco mais comercial, mas é uma ótima canção, que ganhou até introdução com teclado e videoclipe:
Acompanhando a estética do death metal, “In this Shallow Grave” traz uma personagem moribunda cuja vida se esvai aos poucos numa cova rasa e defende que o bem e o mal estão em cada um de nós. Não é das melhores músicas do conjunto, mas novamente os irmãos salvaram o dia com melódicos e precisos solos de guitarra.
“Revolution Begins” tem uma letra anti-sistema para agradar adolescentes rebeldes e, embora ingênua, tem o mérito de defender a liberdade acima de tudo. Por sua vez, a canção-título é uma das mais inspiradas do álbum e traz uma das melhores e mais originais letras escritas por Gossow.
“The Day You Died” é um ótimo petardo, no qual o destaque é o quase sempre discreto porém eficiente baixista Sharlee D’Angelo. Confira uma versão ao vivo:
A baladinha instrumental “Intermezzo Liberte” serve para o ouvinte do CD dar uma respirada e também como introdução para mais um death metal arrebatador com uma letra muito boa, “Night Falls Fast”, que está aqui embaixo em versão ao vivo:
“The Great Darkness” tem uma letra falando de frustração, arrependimento, dor e desespero, aludindo (erroneamente) à Idade Média, mas pelo menos tem um bom instrumental. “Vultures” traz o mesmo cenário apocalíptico de outras canções, mas prova que, se Angela se enganava em algumas nas letras, nunca errava nos vocais:
“Khaos Legions” (2011) é o adeus de Angela Gossow e Christopher Amott
O oitavo álbum do Arch Enemy é também o último trabalho com a vocalista Angela Gossow, autora de todas as letras do CD, e do guitarrista Christopher Amott. Abrindo o álbum, a instrumental curtinha “Khaos Overture” serve de introdução para a clássica “Yesterday is Dead and Gone”, que foi single e ganhou videoclipe:
Com forte inspiração no filósofo Nietzsche, a letra de “Bloodstained Cross”segue o mesmo padrão ateu de outras letras da vocalista: pouco brilhantismo e clichês bastante controversos contra o cristianismo que forjou a livre cultura ocidental. Mesmo assim, a vocalista cantou muito bem, como de costume. Tem videoclipe:
Recheada de anarquismo e niilismo, “Under Black Flags We March”é outra que virou single e ganhou videoclipe. A música tem andamento cadenciado, twin guitars, viradas lentas de bateria e vocal poderoso. Por ser bem menos pesada que as outras canções do grupo, parece ter sido criada visando o mercado:
Muito melhor que a canção anterior, “No Gods, No Masters” traz uma melodia caprichada e uma letra menos pretensiosa que incentiva a luta pela liberdade, enquanto condena governos (qualquer governo), políticos e líderes religiosos. Uma das boas do álbum que você conferir aqui na voz de Alissa White-Gluz:
Seguindo a ordem do CD, os versos de “City of the Dead ” e “Through the Eyes of a Raven” não falam de religião, mas trazem outros elementos rotineiros: morte, sangue e genocídio. Instrumentalmente, a última é mais interessante, brindando o ouvinte com ótimas performances na bateria e nas guitarras.
Por sua vez, a letra de “Cruelty Without Beauty” é bem mais interessante e é um protesto explícito contra maus-tratos de animais, especialmente em abatedouros. A vegana Angela acertou na letra (sem juízo de valor quanto ao veganismo), mas não é das melhores faixas do disco, apesar dos bons solos de guitarras.
“We Are a Godless Entity” é outra faixa instrumental que funciona como abertura para a próxima porrada na sequência, “Cult Of Chaos”, cuja letra vem carregada do recorrente ateísmo, precariamente fundamentado num inexistente caos da realidade. Impressionantes atuações de vocalista, guitarristas, baixista e baterista.
A letra de “Thorns in my Flesh” enaltece o livre-arbítrio sem que a excelente cantora e sofrível letrista tenha percebido que contradiz a letra da música anterior: como poderia haver liberdade de escolha num universo caótico? É pura rebeldia adolescente, no entanto agrada os ouvintes pelo ótimo instrumental.
A balada “Turn to Dust” introduz “Vengeance is Mine”, que é uma das mais pesadas de todo o álbum e possui letra sem inspiração, mas novamente surpreende com ótimo instrumental e elementos melódicos de música erudita, merecendo destaque:
A vocalista Angela Gossow e o guitarrista Christopher Amott se despediram do Arch Enemy, fechando com chave de ouro .”Secrets” encerra o álbum “Khaos Legions”, uma verdadeira aula de heavy metal, com mais porrada aliada à música erudita:
Voltaremos a falar do Arch Enemy na terceira parte desta trilogia, que abordará as entradas da vocalista canadense Alissa White-Gluz e do guitarrista norte-americano Jeff Loomis. Gostou deste post? Espero que sim. Utilize o espaço lá embaixo para comentar ou sugerir novos posts. Abração!