Este post inicia uma série que aborda as fases do Arch Enemy, um dos mais respeitados conjuntos no cenário do heavy metal e também um dos meus favoritos. Trata-se de um grupo que soube se reinventar, enquanto trocava de vocalistas, guitarristas, baixistas e bateristas, evoluindo musicalmente através das décadas.
Vou simplificar e separar em apenas três fases, cada qual com um vocalista: a primeira tinha o vocalista sueco Johan Liiva, a segunda contou com a vocalista alemã Angela Gossow e a terceira e atual fase tem a vocalista canadense Alissa White-Gluz. Abaixo, um música da primeira fase cantada pela vocalista da segunda:
A origem do Arch Enemy
O Arch Enemy foi criado na Suécia em 1995 pelo guitarrista Michael Amott e pelo vocalista Johan Liiva, ambos suecos e originários da banda de death metal Carnage; naquele período, Michael integrava também a banda britânica Carcass. Essa época marca a fase inicial que duraria até 1999 e que renderia três CDs.
Para a maioria dos fãs, o primeiro vocalista não foi tão bom quanto as duas vocalistas que se seguiram à frente do grupo, mas ainda assim ele fez bonito em uma fase em que o Arch Enemy já usava voz gutural, mas era quase thrash metal (mas não era) misturado com boas doses de Iron Maiden e pitadas de Helloween.
Os três primeiros álbuns contêm canções inegavelmente boas, porém, compreensivelmente, têm um som muito mais cru que o das fases seguintes. Além disso, as melodias criadas por Michael com ajuda do irmão eram bem inferiores às criadas por Adrian Smith e Dave Murray, guitarristas do Iron Maiden, por exemplo.

A primeira fase também trouxe letras muito bem feitas e, curiosamente, algumas delas falam de Deus e das ciladas do demônio, como “Dark Insanity”, do primeiro álbum, e “Sinister Mephisto”, do segundo, em contrapartida às futuras fases em que o prevalece o ateísmo de Angela Gossow e Alissa White-Gluz.
Assim como o reverenciado Iron Maiden utilizou inspirações bíblicas, como por exemplo na letra de “Number of the Beast”, o Arch Enemy também bebeu da mesma fonte: danação eterna, apocalipse, Deus, inferno, transmutação (do corpo em alma) e vida eterna são temas recorrentes nos primeiros álbuns.
Guitarra Ibanez

A guitarra mais reconhecível e distinta na linha Ibanez. Três décadas de metal forjaram esta máquina de alta performance, aprimorando-a para a velocidade e força.
Enquanto as músicas de Johan mergulhavam no ateísmo, as de Michael estavam próximas do agnosticismo. Embora sem pretender messianismos ou dar a palavra decisiva em temas complexos, as letras de Michael podiam ser rotuladas como mormente existencialistas, assumidamente agnósticas e cheias de licenças poéticas.
“Black Earth” (1996) é um álbum que agrada os fãs de heavy metal
“Black Earth” é um bom álbum e tem a capacidade de agradar a maior parte dos fãs de heavy metal, contudo traz um som ainda bastante cru com a seguinte formação: Johan Liiva (vocal), Michael Amott (guitarra e baixo), Christopher Amott (guitarra) e Daniel Erlandsson (bateria).
Se ouvir o Maiden nos remete a galopar, ouvir “Dark Insanity” (acima com Angela no vocal) é como montar um cavalo veloz totalmente fora de controle! Já “Demoniality” é puro doom metal e, por sua vez, “Transmigration Macabre” (abaixo) é mais thrash metal e lembra o Slayer, mas com uma parte melódica e solos bem caprichados.
“Idolatress” (abaixo) é de autoria de Johan e aborda novamente a ausência de fé, morte, aceitação do inferno etc, temas sombrios mas que combinam bem com sua voz macabra e gutural. No entanto, música composta em parceria com o guitarrista está muito mais para death metal, já que a parte melódica é quase irrelevante.
A influência do Iron Maiden pode ser percebida com as presenças de nada menos que dois covers da banda britânica capitaneada por Steve Harris e que foram incluídas como bônus em edições especiais: a instrumental “The Ides of March”(abaixo) e “Aces High”, mas esta última não ficou tão boa.
Também vale registar a originalidade de “Cosmic Retribution” (abaixo), uma canção com alternância de andamentos e início bem death metal na qual foi enxertada uma parte com violões acústicos e onde os guitarristas dedilham belamente a escala pentatônica, para, logo depois, a música voltar ao death metal na parte final.
Embora Christopher Amott tenha sido colaborador na autoria de muitas canções dessa banda expoente do death metal melódico, a baladinha instrumental “Time Capsule” é a única composição individual do irmão mais novo de Michael em um álbum do Arch Enemy:
O destaque do CD é a pesada “Fields of Desolation”, cuja letra composta por Johan Liiva abraça uma visão spinoziana da criação divina (Deus deu as costas para o homem; o Criador está pouco se lixando para a criatura) e ainda tem solos de guitarra em escalas de música erudita. Abaixo, em versão instrumental:
O death metal melódico do álbum “Stigmata” (1997)
O CD “Stigmata” mostrou amadurecimento ,trouxe solos melhores e marcou as estreias de Peter Wildoer e Martin Bengtsson. A formação: Johan Liiva (vocal), Michael Amott (guitarra), Christopher Amott (guitarra) , Martin Bengtsson (baixo), Peter Wildoer (bateria), além de Daniel Erlandsson (bateria em apenas duas faixas).
Desta feita, o vocalista e co-fundador do Arch Enemy, Johan Liiva, só conseguiu emplacar uma canção no CD, “Black Earth” (acima), mesmo nome do CD anterior. Todas as faixas foram compostas pelo guitarrista Michael Amott, em parceria ou sozinho, como a excelente “Sinister Mephisto”, que você pode conferir abaixo:
Não obstante, a ótima canção “Damnation’s Way” foi incluída como faixa bônus em certas edições. Composta por Johan Liiva em parceria com Michael Amott, a letra de duplo sentido fala da importância da liberdade para o homem e ao mesmo tempo sugere a utopia do ultra humano de Nietzsche:
Por outro lado, “Let the Killing Begin” não é nem de longe a coisa mais original produzida nesse CD; começa e termina com um jeitão trash metal, tem um bom solo, mas a parte melódica foi toda chupada de “Love Ain’t No Stranger”, do Whitesnake. Abaixo,”Diva Satânica” na voz de Gossow:
O maior destaque do álbum é a faixa título. Trata-se de uma excelente canção instrumental fortemente alicerçada nos competentes trabalhos dos dois irmãos guitarristas, os quais passearam com desenvoltura por lindíssimas escalas em andamento parecido com os hits do Maiden. Confira:
Muito mais death metal melódico com “Burning Bridges” (1999)
Johan Liiva (vocal), Michael Amott (guitarra), Christopher Amott (guitarra), Sharlee D’Angelo (baixo) e Daniel Erlandsson (bateria) se superaram no terceiro álbum, que é muito melhor que os dois primeiros e ainda trouxe um bom cover dos conterrâneos do Europe, “Scream of Anger”:
O álbum que marcou a estreia do baixista Sharlee D’Angelo nos brindou com “Dead Inside”, uma boa canção composta por Michael com letra pessimista que fala da miséria humana num mundo sem Deus e da desilusão sentida por alguém perdeu toda a fé; confira o death metal melódico em estado puro, abaixo:
Assim como na canção descrita acima, a letra de “Pilgrim” diz quase a mesma coisa, mas foca mais precisamente no momento de desorientação de alguém que já não sabe mais no que acreditar. Abaixo, você pode ouvir essa sensacional mistura de existencialismo na letra com uma ótima harmonia na melodia:
Por sua vez, a raivosa porém também melódica “Silverwing” já sinalizava com elementos de melodic death metal bem claros a direção que o Arch Enemy tomaria e a personalidade que seria forjada pelo grupo. Veja uma versão da canção da primeira fase do grupo com a voz de Alissa White-Gluz e a guitarra de Jeff Loomis, da terceira:
“Demonic Science”é um verdadeiro petardo e tem uma letra que serve de alerta contra eugenia, pesquisas genéticas sem ética e cientificismo. O início avassalador precede alternância de andamentos, ótimos solos e novamente twin guitars compondo a parte mais melódica:
“Seed of Hate” é a melhor música do excelente álbum e trouxe novamente uma letra de duplo sentido abordando o suposta abandono da fé (ou pode falar da revolta causada por um pé na bunda, traição e dor de cotovelo). Belos riffs e arranjos não muito complexos que colaboram entre si para uma canção arrebatadora:
“Angelclaw” é outra faixa boa calcada nas guitarras, novamente com forte influência do Iron Maiden e cuja letra aborda o perigo da luxúria e como ela pode levar um homem à desgraça; de como alguém pode sugá-lo a tal ponto que lhe deixaria literalmente seco:
Para fechar, a canção “Buring Bridges” (abaixo), por usa vez, dá nome ao CD, e difere bastante das outras faixas por ter uma levada bem mais para o lado do lento doom metal. A letra de Michael Amott fala de ateísmo e de como a religião poderia ser enganadora, do ponto de vista de um ateu.