Esta série vai analisar todos os álbuns de estúdio dos Rolling Stones, muitos deles elencados entre os mais impactantes da história. Dada a gigantesca discografia desse grupo (que inclui nada menos que 31 álbuns de estúdio datando de 1964 a 2023, além de inúmeros EPs, singles, coletâneas e gravações ao vivo, que não vamos analisar aqui), vamos dividir por fases, assim como fizemos em outras séries
Uma banda estreante da Inglaterra gravando somente artistas dos Estados Unidos? Isso mesmo, o início dos Rolling Stones foi marcado pela imensa influência da música negra norte-americana e por uma mistura de blues, covers e, em menor escala, a busca por um som próprio. Iniciamos a série passando uma lupa nessa primeira fase da banda, entre 1964 e 1967, para entender como eles encontraram seu caminho e pavimentaram a estrada para se tornarem verdadeiras lendas. Nesta primeira fase, estão os álbuns gravados em mono, alguns deles com duas versões distintas, uma voltada par o mercado europeu e outra voltada para o público dos Estados Unidos.
Stones: Os Primeiros Anos
A incrível jornada teve seu início no início da década de 60, quando o jovem britânico chamado Brian Jones, um multi-instrumentista talentoso com destreza em guitarra, gaita, acordeom, saxofone e harpa, entre outros, decidiu colocar um anúncio no jornal da Inglaterra para recrutar outros músicos e formar uma banda focada no som dos negros norte-americanos, em especial, o R&B.
O primeiro a aparecer foi um talentoso e experiente e pianista de chamado Ian Stewart, de 24 anos. O vocalista Mick Jagger e o guitarrista Keith Richards, ambos com 19 anos (que haviam se conhecido algum tempo antes numa estação de trem e iniciaram uma amizade baseada em gostos musicais convergentes — numa dessas coincidências que Deus reserva para poucos) também responderam o anúncio, enxergando ali uma chance para mergulhar no blues e no rock and roll. O exímio baixista de jazz Bill Wyman, então com 26 anos, foi o quinto a responder o bendito anúncio. Por fim, o baterista especializado em jazz e blues de alcunha Charlie Watts, então com de 21 anos, foi o último a entrar para o sexteto.
Logo, eles passariam a ser conhecidos como The Rolling Stones, inspirados pela canção “Rollin’ Stone”, de Muddy Waters. E assim, alguns meses depois, naquele mesmo ano, na noite de 12 de julho, no Marquee Club de Londres, uma tempestade se anunciava no palco: o rock ganhava seus bad boys definitivos.
Contudo, em 1963, o pianista Ian Stewart, cofundador e amigo de Brian, seria rebaixado pelo jovem, espalhafatoso porém visionário empresário do grupo, Andrew Loog Oldham, a roadie e motorista por uma razão cruelmente banal: não tinha o sex appeal adequado. Ainda assim, gravaria com o agora quinteto e, da sombra, fincaria sua marca na história.
‘The Rolling Stones’ (1964)
As primeiras gravações foram singles (“Come On” etc) e EPs (“The Rolling Stones”, “Five by Five” etc), mas pode-se dizer que o quinteto chegou com o pé na porta, uma vez que o ótimo álbum de estreia, “The Rolling Stones” (1964), mergulhou de cabeça em estilosos covers, blues e R&B. Os destaques daquele LP eram “Route 66” (de Bobby e Cynthia Troup e gravada primeiramente em versão jazz por Nat King Cole), “Carol” (de Chuck Berry), “I’m a King Bee” (de Slim Harpo).
Apenas duas canções eram de autoria do grupo (sob o pseudônimo coletivo Nanker Phelge) , “Now I’ve Got a Witness (Like Uncle Phil and Uncle Gene)”, totalmente instrumental, e “Little by Little”, cuja letra carregada de cunho sexual era bem curta, mas já espelhava o dom de Jagger para boas rimas. Apenas a canção “Tell Me (You’re Coming Back)” era de autoria da dupla Mick e Keith, cuja letra romântica era bem fraca e na qual a melodia pop era desenhada pela guitarra de 12 cordas de Richards, com a adição gradual de outros instrumentos (incluindo o piano de Stewart, numa versão alternativa).
A versão norte-americana, também conhecida como “England’s Newest Hit Makers “( 1964), foi lançada um mês após a da Europa e trazia “Not Fade Away” (de BuddyHolly) em vez de “Mona (I Need You Baby)” (de Bo Diddley).
’12 x 5′ (1964)
O sucesso do primeiro álbum (nas versões quase idênticas inglesa e americana) foi tão grande que eles lançaram um outro LP poucos meses depois. Ainda em 1964, “12 X 5” visava o público dos Estados Unidos e trazia canções do EP “Rolling Stones” — lançado alguns meses antes do primeiro LP — e seguia a mesma linha, com muitos covers e músicas de 3 acordes, mas também continuou a mostrar a criatividade latente da banda em algumas composições originais. Foi um passo importante para Mick Jagger e Keith Richards, que estavam começando a se aprimorar como compositores.
Os destaques ficaram por conta de “Empty Heart”, “Time Is On My Side”, “2120 South Michigan Avenue” (com ótimo trabalho do baixista Bill Wyman) , “Susie Q” e “It’s All Over Now“. Entre os autores das músicas estavam: Chuck Berry, Norman Meade, Bobby Womack, Shirley Womack e Nanker Phelge , entre outros. Apenas 3 faixas eram de autoria de Mick e Keith, “Good Times, Bad Times”, “Congratulations” e “Group Up Wrong”.
‘The Rolling Stones No. 2’ (1965)
Seguindo a sequência cronológica, veio “The Rolling Stones No. 2”, álbum que evidenciava que a mistura de blues e rock permanecia, mas a quantidade de material original estava aumentando. Apesar do sucesso e do bom nível das performances dos integrantes desde as primeiras gravações, a banda estava começando a entender que seria melhor ainda ter sua própria identidade e a se afastar, ainda que lentamente, das suas raízes de covers.
O LP tinha a mesma capa de “12 x 5”, mas trazia outras canções, embora “Time Is On My Side”, “Under the Boardwalk”, “Susie Q” e “Grown Up Wrong” estivessem nas duas bolachas.
Desta feita, Mick Jagger e Keith Richards emplacaram três canções autorais: “What a Shame”, “Group Up Wrong” e “Off the Hook”. As duas primeiras eram blues simples de três acordes e traziam rimas bem básicas, enquanto a última tinha uma levada um pouco mais rock and roll, embora igualmente crua.
Entre os autores das canções estavam: Chuck Berry, Muddy Waters, Norman Meade, Bert Berns, Solomon Burke, Jerry Wexler, Jerry Leiber, Artie Butler e Eleanor Broadwater. Entre as melhores faixas desse LP, destaque para “Down the Road Apiece”, que também apareceu no álbum seguinte (abaixo).
‘The Rolling Stones, Now!’ (1965)
Lançado em 1965, “The Rolling Stones, Now!” trouxe faixas de outros álbuns, lados B de singles e algumas inéditas e marcou um ponto de virada na trajetória dos Rolling Stones, eternizando a energia da banda em um momento crucial. Este álbum trazia a tradicional dose de blues, uma pitada de soul, mas era bem carregado no blues rock e rock and roll.
Entre os destaques, a obra de arte de Mick Jagger e Keith Richards, “Heart of Stone”, que trazia uma melodia sedutora e uma ótima letra, fazendo da canção um dos pilares do trabalho. Outra de autoria de Mick e Keith era a excelente “Surprise, Surprise”. Também de autoria da dupla, “Off the Hook” era carregada de boas rimas e humor ácido. A interpretação de “Little Red Rooster”, um clássico do blues de Willie Dixon, também dava pistas do que a banda viria a se tornar.
Não seria exagero dizer que “The Rolling Stones, Now!” capturou a essência rebelde e talentosa dos Stones. Ainda firmemente enraizado nas tradições do blues, o álbum também evidenciava refinamento e apontava para o futuro.
‘Out of Our Heads’ (1965)
Em 1965, os Rolling Stones lançaram “Out of Our Heads”, um álbum que marcou definitivamente a presença no cenário mundial da música. O trabalho ficou conhecido principalmente por “I Can’t Get No) Satisfaction”, canção que se tornou um símbolo na carreira da banda e um hino do rock. Com seu riff inconfundível, a música levou os Stones ao estrelato global, demonstrando que a banda oferecia muito mais do que simples covers.
“Out of Our Heads” teve duas versões distintas, uma para o mercado britânico e outra para o americano, lançadas no mesmo ano. Essa divisão refletia as estratégias da época, em que as gravadoras adaptavam os álbuns conforme os lançamentos de singles e as preferências musicais locais. As diferenças entre as versões evidenciavam o período de experimentação que a banda atravessava, bem como sua resposta às demandas de mercados distintos.
Algumas músicas, como “(I Can’t Get No) Satisfaction”, “The Last Time”, “Play With Fire” e “I’m Alright” (ao vivo), marcaram presença em ambas as edições do álbum. Enquanto a versão americana incluía mais faixas de R&B/soul, como “Mercy, Mercy” e “Hitch Hike”, a versão britânica apresentava músicas que evidenciavam uma evolução em direção a um som mais característico da banda, como “She Said Yeah” e “I’m Free”.
A banda explorava novas possibilidades musicais e se adaptava às diferentes expectativas de seus ouvintes ao redor do mundo. A inclusão de “(I Can’t Get No) Satisfaction” em ambos os álbuns reafirmou o status global dos Stones como ícones do rock. As diferenças entre as listas de faixas também revelam a estratégia da época das gravadoras de personalizar os lançamentos para maximizar o apelo e as vendas em cada mercado específico.
‘Aftermath’ (1966)
Em 1966, “Aftermath” representou um marco na trajetória dos Rolling Stones, sendo o primeiro álbum inteiramente composto por Jagger e Richards. Este trabalho evidenciou uma transição da banda para um som mais experimental, explorando novos temas e sonoridades que se distanciavam do blues para abraçar o rock and roll de maneira autoral .
Lançado em duas versões distintas, uma para o público britânico e outra para o americano, como de hábito, “Aftermath” ofereceu uma gama diversificada de canções que refletiam a habilidade dos músicos em transitar entre diferentes esferas musicais. Entre as faixas de destaque, “Mother’s Little Helper” tratava das pressões da vida suburbana com uma crítica mordaz, enquanto “Lady Jane” estava mais para uma espécie de serenata delicada.
“Under My Thumb” e “Doncha Bother Me” exibiam a versatilidade dos Stones em criar melodias envolventes que iam desde ritmos sedutores até apelos por isolamento, respectivamente. Já “Going Home” encerrava a versão britânica do álbum com uma jornada épica, destacando-se como uma peça musical extensa que refletia o íntimo da banda.
A versão americana de “Aftermath” trouxe “Paint It, Black”, uma viagem psicodélica que se tornou um dos grandes sucessos dos Stones, adicionando uma camada extra de profundidade ao álbum com sua exploração de temas sombrios.
“Aftermath” funcionou como um espelho das nuances culturais da época, unindo diferentes mundos musicais com a universalidade de suas observações e o som inconfundível da banda. Este trabalho consolidou os Rolling Stones como verdadeiros magos do rock, capazes de inovar e desafiar gêneros, tornando-se uma obra digna de ser explorada em todas as suas dimensões.
‘Between the Buttons’ (1967)
Lançado em 1967, “Between the Buttons” dos Rolling Stones emergiu da disposição da banda para abraçar a crescente influência psicodélica da época. Incorporando elementos de pop, rock e psicodelia, o álbum representou um significativo avanço na qualidade de gravação e sonoridade do grupo, evidenciando sua capacidade de expandir horizontes.
“Between the Buttons” também teve versões britânica e americana, cada uma com suas características distintas, mas ambas refletindo a habilidade dos Stones em transitar entre gêneros e explorar novas texturas musicais. Entre as faixas que se destacaram, “Yesterday’s Papers” ofereceu uma reflexão melancólica sobre a fama e o passado, enquanto “Connection” trouxe letra que abordou a complexidade das relações humanas embalada em ritmo acelerado. O rock and roll “Miss Amanda Jones” trouxe à tona uma narrativa vibrante cheia de personagens vivas, e “Something Happened to Me Yesterday” encerrou o álbum com uma nota de reflexão, convidando os ouvintes a questionarem suas próprias experiências.
As versões do álbum divergiam em conteúdo, com a americana incluindo os hits “Ruby Tuesday” e “Let’s Spend the Night Together”, que não apenas se tornaram hinos da juventude, mas também marcaram a época como símbolos de uma geração. Por outro lado, a versão britânica aprofundava-se na experimentação e diversidade sonora, oferecendo uma visão mais abrangente do talento e da busca artística dos Rolling Stones.
“Between the Buttons”, em ambas as suas versões, celebrou a arte de contar histórias através da música, revelando novas camadas e segredos a cada audição, semelhante a um livro que desvenda mistérios de capítulo em capítulo. Este trabalho não foi apenas um álbum, mas um convite para explorar os labirintos da mente e do coração, guiados pelas mãos mestras de Mick Jagger, Keith Richards e companhia, marcando uma jornada inesquecível no repertório dos Stones.
The Rolling Stones
Essa primeira fase dos Rolling Stones terminou antes das gravações em estéreo. Em que pese a precariedade da tecnologia da época, eles conseguiram bons resultados que podem ser apreciados ainda hoje, mesmo que em mono. Grande parte das canções dessa época era embalada pela gaita do talentoso Brian Jones, então líder da banda.
Os Rolling Stones começaram como uma banda de covers, mas aos poucos foram se transformando em compositores com um som único. Devido à amizade construída anteriormente à formação do grupo, a dupla Mick Jagger e Keith Richards começou a tomar a frente das composições.
A influência do blues nunca desapareceu, mas à medida que o tempo passou, os Stones foram explorar novos territórios musicais, preparando o terreno para se tornarem uma das maiores bandas de rock and roll de todos os tempos.
Livro ‘Por que amamos o baterista dos Rolling Stones’
Em Português (capa dura)
Ao longo de seis décadas, o baterista dos Rolling Stones, Charlie Watts, teve o melhor lugar da casa. Charlie Watts, o anti-rock star – um fã urbano de jazz com um humor seco e pouco gosto pelos holofotes – foi testemunha dos anos mais selvagens da história do rock e emergiu como um herói, um poeta guerreiro
Espero que tenham gostado deste post. No próximo, vou abordar a segunda fase dos Rolling Stones, marcada pelo aprimoramento das técnicas de gravação. Até lá.
Abração!