Os últimos álbuns do lendário grupo de hard rock Led Zeppelin foram lançados na contramão do mainstream, numa época em que a disco music dos anos 70 abria passagem para o punk e a new wave dos anos 80
Como visto nos posts anteriores desta série sobre os álbuns do Led Zeppelin, a lenda do grupo é cheia de detalhes interessantes e muitas vezes polêmicos.
Uma dessas polêmicas envolve o plágio, já que nem sempre os créditos eram dados, bem como muitos acordos sobre direitos autorais foram feitos de forma extrajudicial. É notório que parte de canções do Zep são covers ou versões (melhoradas) de originais do blues norte-americano. Contudo, copiar outros autores fazia parte da cultura do blues raiz dos Estados Unidos. Ao ser perguntado sobre um plágio escancarado da cantora Olivia Rodrigo, o cantor Elvis Costello minimizou e explicou que canções de rock são como brinquedos montados, cujas peças eram de outros brinquedos e são constantemente remontados de forma diferente. Fica o registro.
Voltando à nave do hard rock. À medida que os ventos e as ondulações dos anos 70 traziam mudanças comportamentais e culturais, a nau do Led Zeppelin enfrentava o mar revolto de proa, ao ir contra os modismos. Em meados da década de 70, quem ganhava espaço eram o movimento punk e a disco music. Mesmo assim, essa era testemunhou a banda lançar um repertório que passava ao largo das tendências e contrariava expectativas (e também os preceitos de sua própria sonoridade).
Presence (1976)
“Presence” é único álbum da discografia do Led Zeppelin que não tem teclado e nem música acústica. Todas as faixas são compostas por Jimmy Page e Robert Plant — que se recuperava de um grave acidente de carro —, exceto “Royal Orleans”, de autoria dos quatro membros. Lançado em 1976, o álbum marca um período onde a resiliência do Led Zeppelin foi posta à prova. Enquanto o punk rock eclodia cuspindo sua mensagem crua e direta, o quarteto teceu uma resposta através de um trabalho que exalava esmero e profundidade, um carinho para os ouvintes feito através do virtuosismo de músicos de verdade que dialogavam com seus instrumentos.
A produção deste disco foi marcada pela dor de Robert Plant, que escrevia a maioria das letras, que havia sofrido um sério acidente que quase o matou. O episódio injetou em “Presence” um toque de fragilidade humana, um reflexo da própria mortalidade.
A faixa de abertura é “Achilles Last Stand”, uma das mais longas canções do Led Zeppelin, como mais de 10 minutos de duração. O destaque desse prog rock fica principalmente para a bateria de Joh Bonham. As rimas utilizadas são de razoáveis a boas. A letra é poética, não parece ter um sentido específico, discorre sobre desbravar territórios desconhecidos, fala de aventuras e faz citações da mitologia grega.
“For Your Life” é uma das minhas músicas favoritas da banda. A faixa é definida por um riff de guitarra que carrega uma sensação de peso e consequência. A letra volta ao existencialismo como em outras canções, abordando escolhas, excessos e riscos associados ao estilo de vida do rock and roll.
Por sua vez, “Royal Orleans” traz o Zeppelin novamente passeando pela soul music e pelo funk (como sempre, soando meio duro e sem swing). A canção tem outra letra com temas muito difíceis de serem abordados hoje, falando de bem-humoradas enrascadas envolvendo travestis com voz de Barry White etc.
“Nobody’s Fault but Mine” é uma versão de uma canção gospel do blueseiro texano Blind Willie Johnson. É marcada por slide guitar e riffs de hard rock. A bateria e o baixo fornecem fazem a base sólida sobre a qual Page passeia com estilo. O belo solo de gaita de Robert Plant é o ponto alto. A letra têm rimas muito pouco inspiradas e que remetem novamente a demônio, sexo e pecado, enfatizando a responsabilidade pessoal nas escolhas (existencialismo) e a salvação da alma.
“Candy Store Rock” é azeitada com um riff de guitarra cativante e retorcido que serve como fio condutor para toda a faixa, complementado por solos que são característicos do rockabilly. A letra mais uma vez é repleta de jogos de palavras e conotações sexuais, que evocam a rebeldia típica dos jovens cheios de hormônios.
A seguir, “Hots On for Nowhere” tem forte influência do funk (mas sem swing nenhum) e traz a guitarra tocada com a energia bruta do hard rock e com momentos de refinamento técnico. Como já visto nos post anteriores, fica clara de onde beberam os músicos do Red Hot Chili Pepers. Os solos de Page valorizam muito a faixa, cuja letra traz boas rimas e desenha imagens de alguém em busca de satisfação e escapismo, mas que sempre quebra a cara.
Encerrando o disco, o blues “Tea for One” nos brinda com a técnica impecável de Jimmy, que dispara solos cheios de emoção, que exploram corretamente o espaço que a estrutura da música na voz de Robert proporciona. A letra inspirada foi escrita pelo vocalista que atravessava momentos difíceis (grave acidente, muito tempo longe de casa etc) e traz boas rimas. É outra excelente faixa.
In Through the Out Door (1979)
Com o lançamento de “In Through the Out Door” em 1979, o Led Zeppelin descortinou um cenário de experimentação e sofisticação. A banda progredia no uso de sintetizadores e nas harmonias, mostrando maturidade e apontando para a ampliação dos horizontes criativos. Faixas como “All My Love” flui inspiração e talento, enquanto “Carouselambra” surpreende com sua complexidade progressiva.
“In Through the Out Door” foi o último lançamento de estúdio do grupo. Nele, percebe-se o incremento no uso de sintetizadores (sendo que no álbum anterior nem sequer foram utilizados teclados) e esmero nos arranjos, graças a John Paul Jones. Os quatro integrantes navegam pelos mares tempestuosos da mudança, mas com o leme firmemente seguro, cientes de que a música tem o poder de se reinventar.
“In the Evening” inicia o derradeiro álbum do Led Zeppelin com sintetizadores criando um perfeito clima de suspense para o que está por vir… o som dos ótimos riffs agudos de Jimmy Page e da bateria grave e pulsante de John Bonham. A canção é um clássico que se desenvolve com Page detonando com ótimas frases e solos de guitarra. A letra tem boas rimas e, mais uma vez, transborda desejo, amor etc.
Composta por John Paul Jones e Robert Plant, “South Bound Saurez” encarna o espírito do boogie-woogie, um estilo que remonta às raízes do rock and roll , onde o piano é a estrutura. De fato, o Led Zeppelin já demonstrava versatilidade em diversos estilos musicais desde álbuns anteriores. A letra é carregada de sensualidade — alguns fãs podem até querer me bater, mas é muito provavelmente inspirada na letra do hit mundial “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
“Fool in the Rain” seria apenas outra boa canção cadenciada do Zep, mas no meio tem uma mudança na cadência e ela se metamorfoseia em um amalgama muito doido de ritmos caribenhos, africanos e brasileiros, retornando à cadência original no fim, com direito a um belo solo de guitarra com Jimmy passeando pelas escalas. A despretenciosa letra, que pode ter sido baseada em algum fato real, é bem humorada e narra a tragicomédia de um homem apaixonado e talvez embriagado esperando uma mulher sob a chuva e achando que tinha levado um bolo (ou um pé), apenas para perceber mais tarde que se enganou e não estava no lugar combinado, partindo correndo e encharcado para o ponto de encontro (quem nunca?).
O Led Zeppelin inova com “Hot Dog”, uma homenagem aos Estados Unidos, um country rock alegre e cheio de energia calcado no piano de John Paul Jones. Por sua vez, a letra fala de um relacionamento tumultuado, fazendo uso de linguagem e imagens evocativas do gênero country, incluindo referências ao estado do Texas e à icônica empresa de ônibus americana Greyhound Lines.
Embora Page e Bonham tenham tocado o fino, alguns críticos apontam excessos no uso de sintetizadores e no experimentalismo de John Paul Jones no início de “Carouselambra”, uma canção progressiva e complexa que explora novas possibilidades sonoras e na tecnologia de gravação. A mistura de imagens pessoais, mitológicas e contemporâneas torna a letra dessa canção aberta a interpretações, pois Plant, o principal letrista, sempre utilizou como matéria prima elementos de sua cultura literária e de seus interesses pessoais.
A belíssima “All My Love” é um dos maiores hits de uma das maiores bandas de todos os tempos e tocou em praticamente todas as rádios FM do nosso planeta (quando descobrirem vida inteligente em outros planetas provavelmente tocarão por lá também). A ideia do belíssimo solo de teclado no estilo da música clássica feito por Jones pode ter sido inspirada no solo de “Follow You Follow Me”, do Genesis. A letra delicada de Plant homenageia seu filho falecido aos 5 anos de idade.
“I’m Gonna Crawl” encerra o álbum e, sem o saber na época, efetivamente encerra o catálogo de estúdio do Led Zeppelin, visto que foi o último álbum lançado antes da morte de John Bonham em 1980. A música mostra a banda mantendo-se fiel às suas raízes no blues. É uma bonita balada com uma letra que descreva, por meio de rimas inteligentes, a paixão avassaladora por uma jovem.
Os últimos álbuns do Led Zeppelin
O período entre 1976 e 1979 foi um capítulo de reflexão e maturidade para o Led Zeppelin. Enquanto uma parte do mundo balançava no compasso da disco music e outra gritava visceralmente com o punk rock, os integrantes do Led Zeppelin seguiram firmes e usaram a bagagem adquirida através da música e da estrada como degrau para ascender a um patamar onde a inovação e a resiliência se entrelaçam. Algumas bandas escolheram caminhar musicalmente junto com os modismos. O Led Zeppelin, por sua vez, decidiu criar ele mesmo as diretrizes que guiariam as melhores bandas de rock doravante.
Led Zeppelin – A Biografia
Edição Limitada
A obra que ilumina a história do Led Zeppelin e conta como os clubes se tornaram estádios e a inocência deu lugar à decadência. O Zep levou a vida na estrada a um nível totalmente novo. Na narrativa cuidadosa de Spitz, a verdade por trás das lendas é tanto surpreendente quanto, por vezes, perturbadora.
O crescimento veio com seu custo, as mudanças com sua quota de melancolia. Mas como as notas de suas músicas, o espírito da banda se elevou, imortalizado naqueles que ainda hoje encontram inspiração na sua obra. No fim das contas, a presença do Led Zeppelin no panteão do rock é um testemunho de que, mesmo diante de marés instáveis, é possível navegar com bravura, deixando uma trilha luminosa para as futuras gerações.
Em breve voltaremos ao tema com a quita e derradeira parte desta série.
Um abração!