Analisando os álbuns do Led Zeppelin; um pente fino faixa por faixa em dois dos mais espetaculares álbuns de hard rock de todos os tempos
A história da lendária banda de hard rock que lançaria a pedra fundamental do que viria a se chamar heavy metal é repleta de assuntos muito interessantes . No entanto, vamos abordar apenas temas básicos da trajetória e não iremos nos aprofundar neles nesta série que faz uma análise das canções que compõem os discos do Led Zeppelin.
Como vimos no post anterior, Jimmy Page, um experiente e requisitado músico de estúdio e ex-integrante dos Yardbirds, cria o projeto de uma banda com novo conceito do que seria o rock and roll, com inspiração no trabalho pioneiro de Jimmy Hendrix, na obra de blues men americanos e na vibe de canções folk. Com o auxílio luxuoso de John Baldwin (nome verdadeiro de John Paul Jones), igualmente músico de estúdio e considerado um dos melhores arranjadores do Reino Unido, Page monta cada detalhe da estrutura de sua música revolucionária.
O Led Zeppelin era conhecido pelos escândalos e estilo de vida hedonista dos seus integrantes, particularmente durante os anos 70, época na qual jogaremos uma luz aqui, e isso também refletiu em algumas letras. O comportamento promíscuo dos membros, especialmente em relação às groupies, é bem documentado e faz parte do folclore do rock. Contextualizando, eram músicos jovens e muito talentosos vivendo numa era de culto às drogas e revolução sexual.
“Houses of the Holy” (1973)
“Houses of the Holy”, lançado em 1973, emergiu como um cartão-postal colorido de um mundo pós-psicodélico, repleto de experimentação e otimismo. Alternando faixas com os habituais bom gosto e equilíbrio, o Led Zeppelin comandado por Jimmy Page estendeu a mão para gêneros até então não explorados ou muito pouco explorados em sua discografia, como reggae, soul e rock progressivo.
O pontapé inicial é dado com “The Song Remains the Same”, o tipo de canção ideal para ser a primeira faixa de um disco do Led Zeppelin. Embora a letra poética traga rimas pouco elaboradas, é muito bonita e combina muito bem com a melodia baseada nos bons riffs de Jimmy Page. A canção que tem alternância no andamento pode ser comparada a uma explosão de energia. A faixa de abertura mostra que, apesar das mudanças na sonoridade, o espírito da banda permanecia intacto.
Com quase 8 minutos de duração, “The Rain Song” traz o Led Zeppelin adentrando o rock progressivo e desdobra-se como uma sinfonia, um microcosmo de nuances orquestrais e emoção palpável. A letra segue o padrão da faixa anterior.
Iniciando com uma levada folk, “Over the Hills and Far Away” evolui embalada pelo ótimo vocal de Plant até se tornar num hard rock, cujo ápice é um excelente solo de Page. A canção espelha a destreza do guitarrista com a mistura de guitarra acústica e elétrica e traz uma letra romântica.
Por sua vez, “The Crunge” evidencia a versatilidade dos músicos e inova por ser carregada de elementos da soul music em um tributo a James Brown.
O lado 2 da bolacha começa com a ótima “Dancing Days”, onde se destaca a qualidade dos arranjos. Mais um trabalho primoroso do guitarrista numa canção cuja letra remete àquela época de contracultura e do “flower power”.
“D’yer Mak’er” dá um passo em direção ao reggae, um ritmo que contrasta com a rigidez padrão do hard rock e, por isso mesmo, tempera a obra , embalando o ouvinte com um ritmo tranquilo e cadenciado. É interessante ver como Page fez o “upstroke” típico do gênero para a acentuação no contratempo. Outra novidade é uma letra bem comercial carregada de romantismo. Anos mais tarde, a banda The Police utilizaria os versos “Every breath i take!” e “Every move i make”, modificando-os para encaixar no maior hit daquela banda de new wave
A penúltima faixa do long play é a psicodélica “No Quarter”, na qual Jimmy Page utiliza um efeito flanger na guitarra para produzir um clima viajante. A bela letra montada com rimas interessantes nos transporta para uma noite fria e com neve, na qual são abordados temas da mitologia escandinava, como feito anteriormente no álbum “Led Zeppelin III”.
“The Ocean” fecha o LP com chave de ouro com um hard rock calcado em ótimos riffs de Jimmy Page. A melodia é marcante e tem um groove que mistura rock clássico com elementos de blues e trechos de pura psicodelia. John Bonham entrega uma performance excepcional na bateria, com um groove poderoso que sustenta toda a canção. A letra presta uma homenagem aos fãs da banda.
“Physical Graffiti” (1975)
Dois anos depois do lançamento de “Houses of the Holy”, em 1975, o álbum duplo “Physical Graffiti” chegaria para solidificar o Led Zeppelin como arquiteto de uma paisagem sonora sem paralelos. Com uma audácia raramente vista, é uma colagem de faixas que não encontraram espaço nos álbuns anteriores e outras composições, mas que, ao serem reunidas, criaram um mundo próprio repleto de texturas.
O lado 1 inicia com “Custard Pie”, um blues rock que homenageia os grandes blues men do delta dos Estados Unidos com um riff incendiário e um solo com a guitarra plugada a um sintetizador. A letra é repleta de malícia e lascívia.
“The Rover” é uma das melhores canções do Led Zeppelin e a segunda desse ótimo álbum. Um hard rock com Page usando slide e todos os quatro simplesmente arrasando. E pensar que foi criada para ser uma canção acústica. Ainda bem que resolveram plugar os instrumentos e a eletrificaram.
“In My Time of Dying” traz pela primeira vez na letra de uma canção do Zep referências a entidades cristãs (a banda já era famosa por suas citações pagãs). Embora de certa forma respeitosa, a letra deixa subentendida uma questão sobre alguém ser ou não merecedor de entrar no Paraíso após uma vida de devassidão. Originalmente um blues do sul dos Estados Unidos gravado por vários artistas, incluindo Bob Dylan (que mais tarde se converteria ao cristianismo), em 1962. Na versão do Zeppelin é um blues rock que vai ganhando camadas de arranjos até se transformar num hard rock pesado.
“Houses of the Holy” é um hard rock que abre o lado 2 desse álbum duplo. A letra se refere a experiência de ouvir e apreciar rock and roll ao vivo. Existem conotações rirualistas, como se o rock fosse uma religião. Também há citação de satã (de acordo com a visão da maioria dos cristãos), pois Page apreciava ocultismo.
A seguir, “Trampled Under Foot” possivelmente tenta agregar uma levada mais funk ou soul, mas segue pela mesma trilha de hard rock e riffs de guitarra e teclado (clavinete) memoráveis alinhados pela bateria fora da curva de Bonham. Na voz de Plant, uma letra recheada de metáforas automobilísticas com referências sexuais. Embora o termo “heavy metal” apareça aqui, não é a primeira vez, uma vez que já era usado desde 1960 e provavelmente começou a ter o significado que hoje possui por causa do classic rock de 1968 “Born to Be Wild“, do grupo Steppenwolf.
Encerrando o lado 2, uma das músicas favoritas dos quatro integrantes. O nome “Kashmir” diz respeito à região montanhosa disputada há séculos por Índia, Paquistão e China. Contudo, a letra, muito bem construída com ótimas rimas, é pura poesia e traz as rotineiras referências sexuais. Abaixo, você pode conferir uma versão com Jason Bonham, filho de Bonzo, na batera.
Abrindo o lado 3, o rock progressivo batizado “In the Light”, com uma introdução com sintetizador, pega o ouvinte pela mão e o convida a viajar por quase 9 minutos. Quando a letra começa, sugere um processo de sair da escuridão para a luz, uma metáfora para autodescoberta e transformação.
Jimmy Page é o protagonista solitário na caprichada canção instrumental folk “Bron-Yr-Au”. O nome vem de uma idílica casa rural situada no País de Gales que serviu de base para os integrantes enquanto eles se dedicavam ao processo criativo do álbum “Led Zeppelin III”.
“Down by the Seaside”é uma balada que contrasta com alguns dos trabalhos mais pesados do Led Zeppelin, evidenciando mais uma vez o ecletismo do quarteto em explorar diferentes estilos musicais. Com potencial radiofônico evidente, sua letra nos leva a refletir sobre a relação do homem com a natureza.
A linda “Ten Years Gone” encerra o lado 3 com acentuada complexidade instrumental e vários overdubs de guitarras, desaguando em um ambiente sonoro envolvente. Plant entrega uma performance vocal cheia de paixão e melancolia, com letras existenciais que narram a história de um amor do passado, uma contemplação de escolhas feitas e caminhos seguidos ao longo dos anos. A canção seria regravada por Corey Taylor, vocalista do Slipknot, em 2024.
Quem guia a nau em “Night Flight” é o teclado de Jones. É perceptível aqui que o vocal de Plant funciona como um instrumento integrado a outros, em perfeito equilíbrio. A banda em seu auge inferniza com blues e um toque de soul a melodia inicial, expressando na letra o espírito rebelde e a busca por novas experiências.
É difícil entender como um só grupo conseguiu fazer tantas músicas excelentes. Mas o fato é que “The Wanton Song” é uma das melhores, mostrando a fonte na qual os surfistas do Red Hot Chili Peppers beberam. Uma ótima fonte, aliás.
“Boogie with Stu”mistura rock, blues e boogie-woogie. As letras e a melodia são baseadas em “Ooh My Head”, de Ritchie Valens. Além do piano de Ian Stewart (ex-Rolling Stones), a faixa apresenta a guitarra acústica de Jimmy Page, o bandolim de John Paul Jones e a percussão de John Bonham, criando um som rico e texturizado.
Produzida por Jimmy Page, a gravação ao ar livre de “Black Country Woman” foi uma escolha deliberada para criar uma sensação de autenticidade e espontaneidade. A canção é predominantemente acústica, com Page tocando guitarra acústica e Jones o contrabaixo. A letra fala sobre uma mulher de uma região industrial perto de Birmingham, terra de Robert Plant, e aborda temas como infidelidade e frustração em um relacionamento.
Para fechar, “Sick Again” é um hard rock quer conta a rotina das groupies que cercavam as grandes bandas de rock nos anos 70, especialmente durante as turnês pelos Estados Unidos. Robert Plant escreveu as letras refletindo sobre as jovens fãs que seguiam a banda, e a dinâmica complicada e muitas vezes perturbadora dessa adulação. As letras são cínicas e introspectivas, oferecendo uma crítica direta e muitas vezes sombria da realidade por trás do glamour.
Algumas guitarras de Jimmy Page
- Gibson Les Paul Standard (1959): Conhecida como “Number One”, esta guitarra é talvez a mais associada a Page e teria sido comprada de Joe Walsh. Ele também usou uma Gibson Les Paul Standard de 1958 chamada “Number Two”.
- Gibson EDS-1275: Uma guitarra de corpo duplo, usada principalmente para tocar “Stairway to Heaven” ao vivo, permitindo que ele tocasse tanto a parte de 12 cordas quanto a de 6 cordas.
- Fender Telecaster (1959): Usada extensivamente no primeiro álbum do Led Zeppelin e para solos em músicas como “Stairway to Heaven”. Esta guitarra foi um presente de Jeff Beck.
- Danelectro 3021: Usada principalmente para afinações alternativas em canções como “Kashmir” e “White Summer/Black Mountain Side”.
- Gibson SG: Usada para tocar “Whole Lotta Love” ao vivo durante os solos com arco de violino.
Os álbuns do Led Zeppelin
Os álbuns aqui destacados refletem a curiosidade artística da banda, um período no qual o Zeppelin estava no auge e se permitiu ser conduzido tanto pela inquietação criativa quanto pela confiança técnica, onde as possibilidades se estendiam infinitamente. Comandados por Jimmy Page, os quatro músicos alargaram a importância música pop.
Guitarra SG Michael Hammer
Corpo em Basswood, braço em Hard Maple e escala em Blackwood para garantir uma sonoridade ainda mais definida. Possui 2 captadores humbucker que produzem um sinal sem ruídos e perdas, para potencializar ainda mais a sonoridade deixado seu solos mais agressivos e as os dedilhados e bends mais intensos.
“Houses of the Holy” e “Physical Graffiti” são testamentos do poder transformador da música e da capacidade do ser humano de alcançar, através da arte, lugares antes inatingíveis. E no coração de cada melodia, no âmago de cada acorde, permanece o espírito eterno do Led Zeppelin, em toda a sua exploração musical e diversidade.
Voltaremos ao tema no próximo post. Abração!