A cantora e guitarrista americana de pop rock e art rock St. Vincent está na iminência de lançar seu sexto álbum solo — sem contar o que ela lançou com David Byrne — e é um xodó da crítica especializada, tanto que teve todos os álbuns sempre muito bem avaliados e num crescente de aprovação.
O próximo trabalho já tem até nome, “Locked and Loaded”, e terá grande influência de artistas, como Stevie Wonder e Sly and the Family Stone. Uma recente entrevista para a Mojo Magazine já revelou que haverá mudanças radicais em relação ao conceito grandioso e baseado em synthpop do último disco e de sua turnê.
Gostando ou não da labuta inovadora de Anne Erin Clark (seu nome verdadeiro), é preciso reconhecer que ela tem grande relevância no cenário musical do século XXI. Por isso, dei um pente-fino nos álbuns , embora seja difícil encontrar algo com pegada mais rock, principalmente nos dois primeiros. Já nos shows, a coisa melhora.
Anne já revelou que bebeu na fonte de artistas cuja originalidade é forte caraterística, tais como: David Bowie, Kate Bush, King Crimson, Pink Floyd, Talking Heads, Jimy Hendrix, Patti Smiths, Tool e Siouxsie Sioux. No entanto, seu som parece ter também influência de nomes como: Prince, Kraftwerk, Devo e Fank Zappa.
Clark gravou dois álbuns inteiros sem baixo, “Strange Mercy”(2011) e “St. Vincent” (2014), utilizando sintetizadores para fazer as bases, por isso dificilmente você vai encontrar num álbum dela algo inovador com aquele instrumento, como já fizeram, por exemplo, Chris Squire (Yes), Geddy Lee (Rush) ou John Entwistle (The Who).
O que se acha em sua obra é uma linda voz, muita inovação no aspecto das composições e uma guitarra tocada de maneira suja e nada convencional, no entanto não há nada de novo no que tange bateria, baixo ou teclado, por exemplo, e nem mesmo as letras, quando analisadas calma e detalhadamente, impressionam tanto.
A compositora usa jogos de palavras criativos mas que não passam perto de algo mais profundo ou realmente genial. Em algumas letras, a solução simplista para qualquer problema é o surrado clichê “ache sua cara-metade, só o amor resolve”. Tampouco as rimas são muito elaboradas, pelo menos na maior parte das músicas.
Letras existencialistas, quase lisérgicas, por vezes pretensiosas e nem sempre com conteúdo aproveitável; na maioria das vezes, é apenas pessimismo sem o cuidado de sugerir antídotos, exceto paliativos e anestésicos para a dura realidade (drogas). É puro niilismo produzido por um aparente vazio existencial completo.
De forma geral, a obra de St. Vincent é pop, contudo não pode ser enquadrada como comercial. Além disso, mesmo usando guitarra de forma barulhenta, também não vai agradar os rockeiros menos ecléticos e só vale a pena para quem está querendo conhecer outras alternativas musicais — e algumas passam bem longe do rock.

“Marry Me”
O pessimista primeiro CD “Marry Me” (2007) tem muito experimentalismo e pioneirismo, mas está recheado de baladas com melodias que parecem inspiradas em canções dos anos 1940 e 1950, por mais paradoxal que seja; o nome desse CD de estreia até poderia ser algo como: “Quero Ser a Nova Édith Piaf” ou coisa parecida.
Além disso, a faixa instrumental “We Put a Pearl in the Ground”, por exemplo, foi tocada pelo excelente tecladista Mike Garson, que já trabalhou com David Bowie, The Smashing Pumpkins e Nine Inch Nails, mas o resultado é uma música tristonha para ouvir em elevador ou em consultório de dentista.
O CD todo é quase insuportável para um rockeiro na primeira audição, mas melhora (só um pouco) depois. Enfim, é inegável o lado inovador e experimental do álbum que conta com alguns ótimos músicos, embora ele não seja de maneira nenhuma direcionado ao público mais chegado ao bom e velho rock and roll.
Na cozinha, a própria vocalista, compositora e guitarrista resolveu assumir o baixo, exceto em “Now, Now” (onde é tocado por Mark Pirro), afinal o CD era dela, mas não foi uma boa ideia; já nas baquetas, Brian Teasley, o baterista e fundador da banda de surf rock, Man or Astroman, deu conta do recado.
A letra da canção-título “Marry Me” já sinalizava para a multipolaridade da autora: “Sou inconstante como uma boneca de papel sendo chutada pelo vento”. Já a letra de “Jesus saves, I Spend”, sugere que buscar a salvação da alma seria burrice, o bom mesmo seria chutar o balde. Filosofia rasa, de boteco, oca, como eu dizia.
Por sua vez, a canção “Your Lips Are Red” (acima) tem uma letra melhorzinha, mas bem sofrível. Entretanto, tem uma melodia orquestrada que parece até coisa do saudoso Frank Zappa (sem os músicos espetaculares do Mothers of invection) e onde se destaca o já citado e talentoso pianista Mike Garson.
“Actor”
Lançado em 2009, o segundo álbum é bem soturno mas é melhor que o antecessor, apesar do monte de músicas lentas com pretensiosas letras cheias de pseudo -filosofia e que falam da agonia da autora por estar viva, como as monótonas: “Neighbours”, “Save Me From What I Want” e “Laughing With a Mouth of Blood”.
Essas baladas arrastadas deram a tônica de “Actor”e usaram nas letras a fórmula infalível para agradar, no século XXI, a crítica especializada, descolada e muito mais “inteligente” que o resto da humanidade: niilismo, desesperança, ironia sobre o cristianismo, vazio existencial, bad trips e ressacas.
Já “Black Rainbow” e “The Party” são bem chatas e tocadas no estilo pop barroco, com melodias que lembram até certas músicas fajutas da MPB — não me refiro a aquelas ótimas da música nacional, mas a algumas feitas por compositores do segundo ou terceiro escalão, se é que me entendem.
No entanto, nem tudo foram espinhos, “Actor” contou com dois baixistas de verdade e trouxe as canções: “Marrow”, que é muito melhor quando executada ao vivo (como no vídeo acima); o pop rock “Actor Out of Work”e a agradável “The Strangers”, que começa tediosamente, mas culmina um pouco mais rock.
“Strange Mercy”
O terceiro trabalho batizado “Strange Mercy” (2011) é muito melhor que os dois primeiros e passeia por diversos estilos: progressivo, art rock, post-punk e art pop. Nas letras, mensagens de duplo sentido e os mesmos temas de sempre: crítica ao cristianismo, tédio, auto-destruição, niilismo, ansiedade, desespero e por aí vai.
Gravado sem baixo, o álbum trouxe as ótimas faixas “Cheerleader” (no primeiro vídeo deste post) e “Strange Mercy” (abaixo), embora ambas sejam tocadas muito melhor ao vivo. “Surgeon” (acima) e “Northern Lights” são temperadas com som propositalmente sujo de guitarra e por isso também merecem ser mencionadas.
Algumas músicas de “Stange Mercy” ganharam novos arranjos e muito mais energia nos palcos durante as turnês de 2017 e 2018. No início deste post, você pode conferir St. Vincent tocando “Cheerleader”, a minha favorita, acompanhada por Toko Yasuda (baixo e sintetizador) Daniel Mintseris (teclados) e Matt Johnson (bateria).
“St. Vincent”
O quarto foi nomeado simplesmente “St. Vincent” e lançado em 2014. Outro álbum que foi aclamado pela crítica e no qual foram usados novamente muitos sintetizadores e pedal fuzz na guitarra. Outro trabalho sem baixista e permeado de canções com rimas muito fracas e que falam de sexo casual, principalmente.
Destaques positivos para “Huey Newton” (acima) e “Psychopath”, feitas com abordagem ligeiramente mais rockeira. Por sua vez, “Strange Mercy” é uma balada legal, e “Prince johnny” é uma canção pop acima da média que dá para escutar enquanto você estiver ocupado trabalhando, lavando louça ou arrumando o quarto.
“Masseduction”
O quinto trabalho ganhou o nome de “Masseduction” e foi gravado em dois dias com material que Clark acumulou enquanto esteve em turnê. Para produzi-lo e criar uma atmosfera estilo anos 80, foi convidado Jack Antonoff, vocalista da banda Bleachers. Esse álbum lançado em 2017 merece destaque especial.
A bolacha contou com a participação de Jenny Lewis, vocalista da banda de indie rock, Rilo Kiley, e trouxe também o conceituado baixista Pino Palladino, que já trabalhou com The Who, Jeff Beck, Nine Inch Nails, John Mayer Trio e outros grandes nomes ligados ao rock and roll.
O conceito oitentista incluiu acessórios de látex, rostos cobertos e entrevistas dentro de um cubo rosa choque. Trata-se do melhor trabalho e também teve aclamação unânime pelos principais especialistas, com destaque para o hit “Los Ageless” (abaixo), a ótima “Pills” (acima), a boa “Savior”e a aproveitável faixa-título.
Mas nem tudo foram rosas: a cantora deu um chupada tão grande em “Lucy in the “Sky with Diamonds”, dos Beatles, para usar em “Happy Birthday, Johnny”, que deve ter deixado até marca de chupão vampiresco no pescoço do Paul McCartney ou no cadáver de John Lennon! Pegou muito mal essa falta de originalidade.
A letra da cadenciada “Slow Disco” (abaixo) revela a predileção da autora pelos ritmos lentos, os quais, de certa forma, fazem sua carreira se distanciar do rock. Ao contrário da maioria das canções de Clark, “Young Lover” tem uma boa letra que fala do suicídio de um jovem, apesar do ritmo não ter nada a ver com rock.
“Masseduction”contém letras voltadas a quem não tem problema nenhum daqueles que a maioria das pessoas têm — relacionados a trabalho, saúde ou família —, exceto talvez no que tange os relacionamentos sexuais, e inspiradas em preocupações existencialistas fabricadas pela mente de uma rebelde sem causa.
Refletindo sobre St. Vincent
Em outras décadas, substâncias, como maconha, cocaína e LSD, principalmente, eram agregadas a utópicos discursos de contracultura e revolucionários. Embora viessem sem bula, havia nessas drogas uma (equivocada) esperança de cura contra algumas das principais mazelas do mundo: guerras, pobreza, violência etc.
As drogas aparentam estar nas entrelinhas das letras ou implícitas na obra da artista, conferindo um certo “glamour”, entretanto as mortes de tantos dos nossos heróis por overdose, como diz a canção do Cazuza, tirou qualquer aura de algo bom nisso, incluindo o álcool, que vitimou John Bonham, Bons Scott e Jimi Hendrix.
De fato, as drogas sintéticas passaram a ser o novo “barato” contra o tédio e são utilizadas em larga escala pelo beautiful people de grandes metrópoles do primeiro mundo, como Nova York, cidade adotada pela talentosa Clark. Talvez isso explique o motivo de o quão exageradamente reverenciada ela tem sido.
Curiosidades sobre St. Vincent
A turnês que se seguiram ao lançamento de “Masseduction” marcaram mudanças radicais na carreia da antes “low profile” artista, que usou figurinos bem menores e muito sensuais. Ela também cortou a cabeleira rebelde e passou a adotar um look Chanel alisado como o de muitas modelos de capas das melhores revistas de moda.
Foram turnês com som emborrachado, figurinos de tecido sintético ou mesmo plastificado que remetiam aos anos 80, quando sintetizadores eram uma grande novidade e se espalharam como uma peste em álbuns de estúdio de artistas de vários estilos, substituindo bateristas, baixistas e guitarristas de carne e osso.
Talvez por isso essas turnês tão especiais e que investiram pesado na imagem tenham utilizado um visual robótico, e St. Vincent tenha adotado nos palcos a aparência de uma boneca com reveladores maiôs cavados que compunham um bizarro e original look andróide-futurista inspirados no filme “Barbarella”.
Um detalhe mais técnico dessa época foram as guitarras em formato idêntico e inovador, cada qual de uma cor, utilizadas por Annie e que agregaram ainda mais ao visual robótico, fruto de uma parceria com a empresa Ernie Ball Music Man, que criou uma linha especial de guitarras com o nome St. Vincent Signature Collection.
Colaborações de St. Vincent
Entre as colaborações mais legais da vencedora do Grammy vale destacar a participação com o Nirvana no Rock and Roll Hall of Fame (no início deste post), a parceria que rendeu até um álbum com o ex-líder dos Talking Heads, David Byrne, e o remix de “Uneventful Days” no álbum de Beck, que você pode conferir aqui:
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